Pra minha surpresa meio-dia vieram mandar eu me arrumar pra ir pra mesa de operação. Coloquei daquelas roupas de hospital e consegui caminhar até a sala de cirurgia. Ela era grande, fria, e cheia de coisas que eu não queria nem imaginar pra que servem.
Logo chegaram umas 5 pessoas, incluindo a jovem anestesista que eu havia visto antes, e começaram a se preparar. Elas iam me explicando o que estava acontecendo e o que iriam fazer, mas eu estava bem nervosa, obviamente. Alguém injetou algo no meu braço e colocou uma mascava de oxigênio em mim, e depois disso não lembro de mais nada...
Lembro de ter acordado brevemente na sala de recuperação, onde haviam duas enfermeiras. Perguntei a uma delas quanto tempo fazia que eu estava ali e ela disse meia-hora. Depois só lembro de estar de volta no meu quarto e de estar com muita dor no meu abdomen. Lembro de alguém vindo com uma seringa pra que eu tomasse o que estava nela. Depois fiquei sabendo que era morfina.
Depois da cirurgia. Nem lembro de ter batido essa foto!
Primeiras horas do pós operatório
Quando acordei de verdade já era fim de tarde. Alguém me trouxe comprimidos pra dor e me mandou tomar bastante água. Obedeci.
Vi que haviam 3 curativos no meu abdomen: 1 bem no umbigo, um na esquerda mais embaixo, e um bem embaixo na pélvis.
Levantei da cama (com dificuldade, mas levantar o encosto da cama ajudava bastante pra fazer isso) e caminhei pelo quarto um pouco. Pela primeira vez prestei mais atenção em quem mais estava lá. Na minha frente era uma senhora negra, diagonal a mim uma mulher loira relativamente jovem, e do meu lado direito, na janela, era uma mulher que parecia estar bem doente. Ela foi a única que não vi se levantar nenhuma vez, e as enfermeiras vinham trocar fralda nela de vez em quando. Em algum momento consegui ver que o corpo dela era cheio de hematomas. Ela quase não falava nada.
Caminhei até a janela e vi que era um dia bonito. A vista era pra um canal e um parque, onde haviam quadras de tênis, pessoas jogando e caminhando pelo parque, vivendo a vida normal. A mim e aos demais afetados por doenças ou circunstâncias limitadoras nos restava olhar pra fora e pensar no dia em que poderíamos fazer o mesmo.
Ás 5 horas serviram a janta. Trouxeram um menu com algumas opções e escolhi salada e uma massa com lentilhas, e gelatina de sobremesa. Estava bom, mas meio apimentado, Não comi tanto quanto gostaria pela quantidade de pimenta. Parecia comida de avião pra falar a verdade.
A mulher loira e a senhora negra estavam reclamando da comida, contando que outro dia serviram pizza com gravy, que nunca haviam visto disso.
Depois começou horário de visitação. A senhora negra teve visita de duas filhas e 3 netinhas, a loira de um cara, e a mulher quieta de um homem bem magro, que era tão excêntrico quanto ela.
Eu estava sozinha.
Quando eram 7:30 as visitas já haviam ido embora, e a Jinny foi lá me ver. Fiquei feliz de ter uma visitante, apesar de estar sofrendo ainda com a cirurgia. Meus lábios estavam ressecados, a boca totalmente seca, e eu me sentia letárgica. Fiquei conversando com a Jinny cerca de uma hora e então ela foi embora. Eu resolvi tentar ir no banheiro, pois havia me enchido de água e percebi que não tinha ido ainda.
Será que algo deu errado?
Foi quando percebi que não conseguia sentir minha bexiga. Era como se não existisse mais. Chamei a enfermeira e perguntei quando falaria com o médico, e ela disse só no dia seguinte. Expliquei a situação e minha preocupação sobre algo ter dado errado, e ela falou que se tivesse tido algum problema eles teriam informado o time de enfermagem, que não era pra eu me preocupar ainda.
Óbvio que foi impossível pensar em outra coisa a partir dali. Fiquei o tempo inteiro lendo na internet coisas que podem dar errado durante a cirurgia envolvendo a bexiga, e falando com minha irmã pelo WhatsApp. Ela conhece muitos médicos no Brasil, incluindo cirurgião, e mandou mensagem pra eles perguntando sobre isso. Falaram que é normal dar isso em crianças, mas que nas primeiras 12 horas pode ser considerado normal em adultos e que era pra aguardar.
Durante as primeiras 24 horas vinha sempre alguém da enfermaria medir minha pressão, temperatura, e aplicar antibióticos. Às vezes traziam mais comprimidos pra dor, mas não quis mais morfina. Achei horrível a sensação de estar sedada sem saber muito bem o que está acontecendo ao redor.
A noite foi chegando, e lá pelas 10 consegui que saísse um pouquinho de xixi, mas bem pouco. Aos poucos a sensação da bexiga foi voltando. Eu tinha que deitar de barriga pra cima, pois não tem como deitar de lado por causa da dor. Nessa posição a bexiga acaba pressionada, e eu sentia que estava cheia. Levantava pra ir ao banheiro e saía quase nada. Passei a noite inteira nesse ciclo de tentar dormir, levantar e tentar fazer xixi. Achei que em algum momento a conseguiria esvaziar e conseguiria dormir. Não foi o que aconteceu. Um dos enfermeiros do time noturno era italiano, e eu fiquei conversando um pouco com ele sobre a minha preocupação. Ele disse que pela experiência dele é assim mesmo, mas que no dia seguinte eu resolveria com o médico sobre o que fazer.
Falando com o médico
Todo mundo acorda cedo no hospital, e 7 da manhã já havia gente entrando e saindo do quarto. Troca o plantão de enfermeiros e eles vão de paciente em paciente explicando pro grupo novo a situação de cada um.
De café da manhã teve sucrilhos com leite, e aí comecei a notar melhora na hora de ir no banheiro. Saía mais xixi, mas mesmo assim nada de esvaziar a barriga.
Recovery- will I need help? No (acabou que sim!!)
Stitches and dressing. Dissolve
Things to raise alarm. Temperature
How long will it be painful for? A few days
Things to avoid ( doing and eating) not to worry (não é certo isso!!)
How long time off work? 2 weeks
What type of exercise and when 1 month avoid heavy lifting
Walking up stais. Fine (nem tanto, vi que não é bom fazer isso no começo)
Difficulty passing urine
Can the thing on my arm come off?
A última coisa que falei foi sobre o problema em fazer xixi. Ele ficou pensativo e disse que iriam fazer um exame pra ver quão cheia estava minha bexiga e que esperariam pra ver se isso se resolvia antes de me mandarem pra casa. Então ele foi embora com os outros médicos todos atrás dele.
Foi só aí que avisei meus pais, depois que o pior já havia passado e quando eu teria respostas pra maioria das perguntas deles. Mandei uma foto minha no hospital e expliquei o que havia acontecido. Minha mãe disse que quase caiu de costas, e ai ficamos conversando pelo WhatsApp. Ela se ofereceu pra pegar um avião e vir cuidar de mim, mas obviamente que não aceitei. Só o que faltava minha mãe já idosa, com problemas de saúde vir até aqui cuidar de mim.
Interagindo com as outras ocupantes de quarto
Durante o resto da manhã fiquei observando as demais ocupantes do meu quarto e formando opinião baseada nas poucas horas que compartilhei do dia-a-dia delas.
A senhora negra me pareceu muito querida, assim como a sua filha que retornou pra visita-la na segunda-feira. Eu havia contado que iria fazer cirurgia de apêndice no dia anterior e ela havia dito que a filha ela já tinha feito. A filha dela então me contou sobre a experiência dela. Eram bem educadas e interessadas. A mulher loira era prestativa, ajudava a senhora negra a ler o menu todos os dias, e uma hora pegou uma coisa minha que caiu no chão e eu não conseguia me abaixar. Ela ficava saindo pra fumar o tempo todo. Tinha uma inflamação na perna e estavam aplicando antibióticos. Me contou que já esteve internada outra vez pela mesma coisa, e estava bem frustrada com sua situação de incerteza.
A mulher quieta recebeu fisioterapeutas que e ajudaram a sentar por um tempo, e depois uma pessoa do social care veio fazer um monte de perguntas pra ela sobre a vida dela em casa, se ela consegue ser independente, quem mora com ela etc. O médico veio e parece que ela tem alguma infecção no fígado que eles não sabem o que pode ser, então iam chamar um especialista. Mais tarde quele amigo excêntrico dela entrou cantando e dançando no quarto, tentando animá-la. Leu pra ela e saiu pra comprar doces pra ela,. Ela o ficava maltratando, gritando com ele sem paciência o tempo todo. Uma hora ele saiu e eu estava caminhando pelo quarto. Eu falei pra ela que aquele amigo dela parecia ser bem querido em ajuda-la e se preocupar com ela tanto assim. Ela riu e disse que sim.
Era mais um dia lindo lá fora, e eu estava olhando pela janela quando ele chegou e fez um comentário pra mim sobre com eu deveria estar lá fora e não ali. Voltei pra minha cama e vi que não demorou pra ela gritar com ele. Consegui ouvi-lo dizer baixinho pra ela que ele estava cansado de ser maltratado por ela, que ele estava tentando ajuda-la nesse momento difícil. Ela ficou quieta e depois se desculpou com ele, que ele era um bom amigo. De repente meu comentário de antes ajudou-a a ver o que ele estava fazendo por ela.
Será que fico ou que vou?
Uma enfermeira veio com uma maquininha medir quão cheia estava minha bexiga. Era tipo um mini ultrassom. Ela mediu e disse que tinha 400ml de urina ali dentro e que iríamos medir a quantidade que ia saindo ao longo do dia. Eu tinha que fazer xixi num container de papelão e dava pra enfermeira, que foi medindo ao longo do dia.
De almoço pedi sardinha com salada e gelatina de sobremesa. Parece o tipo de coisa que como em casa no dia a dia. Deu pra ver como me alimento saudável já a maior parte do tempo.
Com o passar das horas minha bexiga foi voltando ao normal, o que foi um alívio. Quando eram 3 da tarde veio um médico com sotaque leste europeu falar comigo. Perguntou como eu estava e falei que estava bem, que a bexiga estava voltando ao normal mas que ainda não estava 100%. Ele ficou pensativo e disse que fazia 24 horas da operação e sugeriu que eu ficasse no hospital mais uma noite. Não sabia o que fazer. Por um lado queria ir embora, e se eu pego uma infecção? Mas por outro
pensei que se desse algum problema ali eu teria ajuda. Resolvi ficar mais uma noite. A senhora negra falou que era bom, pois já que eu não teria ajuda em casa pelo menos mais um dia ali seria bom pra eu me recuperar mais. Minha mãe falou a mesma coisa pelos WhatsApp.
Resolvi tomar um banho, pois não havia tomado um desde a noite que cheguei, e coloquei outra roupa de hospital. Meu uniforme desde o dia anterior era camisola de hospital, meia-verde até o joelho e chinelo.
Mais recuperada, depois de um banho
Às 5 serviram o jantar. Comi torta de ovo com salsicha e uma salada. De sobremesa mais gelatina.
Passou cerca de uma hora e veio outro médico, daquele grupo que estava com o médico de manhã. Veio perguntar como eu me sentia. Disse que eles achavam que eu deveria ir pra casa, pois estava fora de risco e que por isso não havia motivo pra eu passar mais uma noite no hospital. Disse que conversaram com os médicos chefes e que eles disseram que a bexiga estava normalizando e que logo iria estar 100% e que se tivesse problemas poderia voltar ou ver o médico do bairro. Estava sendo expulsa do hospital, de forma educada. Não tive como recusar. Comecei e arrumar minhas coisas e mandei mensagem pra Jinny pra ver se ela poderia me ajudar a ir pra casa, pois não posso pegar nada pesar e não teria como levar as coisas que ela havia trazido pra mim. Vi que a senhora negra ficou me observando arrumar minhas coisas, que reparou quando eu não consegui pegar meu tênis debaixo da cadeira. Acho que ficou com pena de mim.
O bom foi poder tirar aquele negócio do braço direito, que de tanto eu mexer já tinha saído do lugar e estava doendo.
Finalmente tirei esse negócio chato do braço
Às 19 a Jinny chegou e eu já estava na salinha de espera, fora do quarto. Dei tchau pras colegas de quarto, desejei sorte e recuperação, dei tchau pro time de enfermagem, agradeci, e fomos de táxi pra casa dela.
A cama de hospital era necessária pra alguém que precisava dela mais que eu naquele momento.
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