Neste post vou relatar a minha recente experiência na qual fui operada de apendicite. Eu não tenho treinamento médico algum, portanto ninguém deve usar meu post como referência para tirar dúvidas sobre o tema. Estou simplesmente contando o que aconteceu comigo.
Já faz 3 anos que eu comecei a me preocupar com isso, então eu meio que sabia que um dia teria que passar por essa operação, só não imaginei que seria numa hora tão inconveniente (apesar de que nunca teria uma hora conveniente eu acho).´
Histórico
Há 3 anos atrás eu comecei a sentir umas pontadas na parte inferior direita do abdômen, e fui no médico com medo que fosse apendicite. Eu estava morando sozinha em Londres, e estava bem nervosa com a probabilidade de ter que fazer a cirurgia e não ter ninguém pra me acompanhar e me ajudar. Eu não tinha nenhum outro sintoma característico da doença: vômito, febre, perda de apetite, e a dor não era contínua. Eram pontadas que vinham com força, mas que logo desapareciam.
Fiz exames de ultrassom e de sangue, e nada foi encontrado.
Foram passando os anos e essa dor às vezes voltava, mas nunca durava mais que um ou dois dias, mas quando vinha incomodava um pouco, apesar de não me prevenir de fazer minhas atividades do dia a dia.
O que me incomodou muito nos últimos anos e me prevenia de fazer qualquer coisa quando aparecia, era dor no estômago. Essa me deixava completamente inútil, por várias horas. Às vezes tomando buscopan e algum remédio de gases fazia a dor ir embora, mas não era sempre que funcionava. Estava ainda tentando encontrar que comida (ou combinação de comidas) que poderia causar dor abdominal de tal intensidade. Fiz vários exames, incluindo endoscopia e outros ainda menos agradáveis, pra ver se havia algo de errado, e nunca nada de errado foi encontrado (o que é bom, claro), então comecei a mudar várias coisas na minha dieta, cortei algumas coisas, introduzi outras, e por um tempo fiquei sem ter problema algum, ou quando tinha Buscopan resolvia logo.
Ainda é muito cedo pra dizer se a dor de estômago era relacionada a isso, mas se ela nunca mais voltar eu não sentirei a menor falta.
Contexto
Recentemente minha vida estava meio estressante, pois estamos de mudança. No sábado retrasado a empresa de mudança foi lá em casa empacotar tudo, e eu fiquei com 3 malas com algumas coisas pra me manter por 1 mês em Londres. Domingo viemos pra casa da nossa amiga Jinny, onde ou ficar temporariamente enquanto o André está no Estados Unidos a trabalho. A semana foi de adaptação a nova casa: localização, bairro, o quarto ( estou meio acampada, pois é um quarto pequeno, com algumas gavetas e prateleiras, mas sem guarda-roupa, então minhas coisas estão em malas pelo chão ou embaixo da cama).
Pra completar, eu fiquei doente bem no fim de semana da mudança e cheguei na casa da Jinny um caco, só queria dormir pra descansar. Fui trabalhar durante a semana normalmente.
Sexta-feira o André embarcou pro Estados Unidos e eu só o veria dia 09 de junho pra um casamento. Estava triste por isso, mas feliz por poder descansar no fim de semana. Depois do trabalho fui caminhando de Vitoria, onde trabalho, até Blackfriars e no caminho comi um cachorro quente vegetariano alemão que tem perto de Charing Cross, que fazia tempo que não comia.
O desenrolar
Sábado acordei bem e comecei a fazer minhas atividades de fim de semana. Pelas 11 da manhã comecei a sentir a maldita dor de estômago. Estava bem fraquinha no começo, mas eu já tomei buscopan, e apesar de não estar com fome comi uma salada de almoço.
A dor começou a ficar mais forte a ponto de eu não conseguir ficar em pé ou sentada, então fui me deitar. Eu já havia tido essa dor antes, então imaginava que dentro de algumas horas ela pararia, pois foi o que aconteceu antes. Eu imaginei que havia sido o cachorro quente que causou, apesar de me parecer uma reação meio tardia a algo que eu tenha comigo às 6 da tarde do dia anterior. Eu estava me contorcendo de dor e me sentia pesada. Acabei vomitando e me senti mais leve, mas nada da dor ir embora. Tomei mais buscopan, e nada da maldita ir embora. Muito pelo contrário, ia ficando cada vez pior. Vomitei 2 vezes mais, e então entrei em contato com um médico conhecido da minha família no Brasil, via Whtsapp, e perguntei se poderia tomar mais Buscopan, pois havia vomitado e de repente por isso não estava fazendo efeito. As instruções dele foram claras:
Não tome mais nada e vá imediatamente para a emergência do hospital.
Ir no hospital aqui em Londres é um saco. Tenho que ir de táxi, espera-se MUITAS horas até se ver um médico, então eu queria saber se tinha como ver um médico sem ir pra emeregência.
NHS
O National Health System é o sistema de saúde pública aqui da Inglaterra, equivalente ao SUS. Qualquer cidadão britânico (e europeu) tem direito a tratamento gratuito, tanto em clínicas nos bairros (as cadastradas, tipo posto e saúde) quanto em hospitais. Não é perfeito, mas quebra um bom galho pra população geral, principalmente pra quem não pode pagar particular. Eu consultei particular algumas vezes, mas mesmo pra classe média tratamento particular é extremamente caro, então eu acabo usando o NHS quando preciso.
O NHS tem um serviço telefônico, onde a pessoa liga pra 111 pra saber se a situação na qual ela se encontra é grave ou não. Caso seja muito grave (tipo um acidente), liga-se pra 999, mas não era o meu caso.
Falando com um médico e conseguindo ambulância
Expliquei meus sintomas pra mulher na linha e ela disse que iria arranjar pra um médico me telefonar pra eu saber o que fazer. Eu liguei eram 15:30 e o médico me ligou cerca de 30 minutos depois. Expliquei a minha situação e ele perguntou se eu tinha diarreia. Falei que não. Ele disse que se eu tivesse diarreia era provável que fosse intoxicação alimentar, mas como eu não tinha poderia ser apendicite. Falou que eu ir pro hospital, mas expliquei que estava com tanta dor que eu não tinha como fazer isso. Ele então disse que iria mandar um médico até minha casa, mas que poderia demorar até 6 horas pra ele vir. Ele não tinha certeza que meu caso precisava de ambulância sem me examinar.
Fiquei meio desesperada, pois minha amiga não estava em casa e eu não sabia o que fazer. Liguei pra ela, que estava estudando pra uma prova importante que ela teria no domingo, e expliquei o que estava acontecendo. Ela disse que viria pra casa me levar pro hospital. Depois de uma hora uma médica veio aqui em casa e me examinou. Ela apertou o lado inferior direito do abdomen e a dor era mil vezes pior lá.
Ela confirmou o que o médico do telefone disse, sobre possivelmente ser apendicite, e que eu deveria ir pro hospital. Pedi pra ela chamar uma ambulância, pois eu mesmo que conseguisse chegar no hospital de táxi, não teria condição nenhuma e ficar sentada esperando várias horas até ser atendida com a dor que eu estava. Ela saiu e disse que iria ver o que podia fazer. Depois de uns 15 minutos chega a minha amiga Jinny com a médica de novo. Tem um hospital há 10 min de caminhada da casa da Jinny, e a médica disse pra irmos lá mas eu não queria ir naquele estado pois estava a este ponto tremendo e com dor praticamente insuportável. Ela saiu e depois voltou falando que arrumou uma ambulância pra me levar no hospital.
A ambulância chegou em 20 minutos e me colocaram na maca. A Jinny foi junto comigo. Uma vez lá dentro mediram meus sinais vitais e me deram analgésico na veia, pois falaram que minha dor eta tão forte que tomar comprimido não iria adiantar nada. Ela colocou um negócio no meu braço direito pra aplicar medicamento, e depois de uns 3 minutos a dor havia aliviado bastante. Eu ainda sentia dor no lado direito do abdomen, mas só ao me mexer e se apertasse.
Isso fez toda a diferença, pois no hospital eu ainda tive que esperar bastante tempo até ser atendida, mas conseguia ficar sentada. Os paramédicos (um cara e uma guria australiana) foram muito queridos.
No hospital
Uma vez no hospital foi a mesma história de sempre (das outras vezes que eu fui ou que fui pra acompanhar minha mãe quando ela veio me visitar e acabou tendo que fazer cirurgia de emergência): espera-se pra passar pela triagem, onde a gente vê uma enfermeira. Nesse caso ela já tinha todos os meus detalhes, pressão etc etc, que o pessoal da ambulância e a outra médica haviam anotado, então nem sei porque tive que vê-la.
Voltei pra espera e depois de uns 40 minutos um enfermeiro me chama pra tirar sangue. Ele disse que demoraria 45 minutos pra sair os resultados e só então eu veria um médico. Demorou mais que isso, e só vi o médico depois das 9 da noite. Nisso a Jinny ali do meu lado estudando pra prova dela, e a espera ficava cada vez mais cheia de gente. Tinha gente de todo tipo. Ali éramos todos iguais, independente de background, religião, profissão.
O médico me examinou e fez as mesmas perguntas que todos os outros médicos, e disse que eu teria que esperar pra ver um cirurgião, mas me adiantou que no exame de sangue os marcadores de inflamação estavam altos demais. Me mandou pra uma outra sala, onde tinha só das pessoas, e fiquei ali sentada esperando. Tinha duas mulheres que estavam reclamando da demora pra um dos enfermeiros, e ele falou que com os cortes de orçamento que esse maldito governo conservador fez (saúde, educação e segurança) eles simplesmente não tem pessoas suficiente pra atender, então acaba demorando mais ainda. Ele me contou que naquela hora da noite só tem um cirurgião pra todo o hospital!
Tive ainda que fazer exame de urina e só cerca de 1 hora depois veio o cirurgião. Ele repetiu todas as perguntas e eu repeti todas as respostas. Acho que a única coisa que não era típica de apendicite no meu caso é que eu estava sentindo fome. Já eram 11 da noite e eu estava com fome, e normalmente com apendicite as pessoas perdem completamente o apetite. Mas assim que ele examinou meu abdomen disse que era praticamente certeza que era apendicite e que eu precisaria ser internada.
Contei pro André, pra uma das minhas irmãs que está no Brasil, e pra outra amiga que também mora aqui perto. Assim haviam 4 pessoas que sabiam da situação, duas das quais estavam perto poderiam ajudar. Não contei pros meus pais porque só iria preocupá-los sem que pudessem fazer nada de tão longe.
Internação
Fui falar com a Jinny pra ela ir pra casa, pois eu precisaria passar a noite ali. Enquanto os médicos trabalharam pra conseguir um leito pra mim (às vezes não existem leitos disponíveis e eles precisam mandar a pessoa pra outro hospital, mas graças a Deus não foi o meu caso), eu estava no telefone com a Jinny com uma lista de coisas pra ela trazer pra mim pra eu ficar ali de noite, incluindo comida. Eu havia trazido uma calcinha e escova de dente, mas se seria operada precisaria de outras coisas, como pra tomar banho. Logo a Jinny chegou com minhas coisas e eu fiquei esperando me chamarem de novo. Vieram depois com uma cadeira de rodas e me levaram até uma outra ala do hospital.
Cheguei no quarto era uma da manhã e as 3 outras ocupantes já estavam dormindo.
Comi umas bolachas que a Jinny havia trazido, tomei banho, escovei os dentes e coloquei meu pijama. O ruim foi fazer isso sem dobrar o braço direito, que estava ainda com aquele negócio pra inserir medicamento. As enfermeiras me colocaram no soro, e fui instruída a não comer nem tomar nada após às 2 da manhã. Fiquei a noite no soro, e isso me dava vontade de ir no banheiro o tempo todo, e tinha que levar o soro junto. Era um saco.
Noite de internação
Até consegui dormir, pois a cama do hospital não era desconfortável, e eu podia ajustar a altura da cama e do encosto, coisa que foi extremamente útil depois da cirurgia. As enfermeiras me deram daquelas meias pra evitar trombose nas pernas, já que iria passar bastante tempo deitada. Eram meias verdes.
Pelas 9 da manhã o médico que havia me internado na noite anterior veio com outro médico mais velho. Eles me examinaram e o mais velho me disse que era 90% de chance de ser apendicite, e que eu precisaria ser operada. Explicou que quando a probabilidade é alta assim, o melhor é operar pra não ter risco de ruptura do apêndice, o que seria algo gravíssimo e que colocaria minha vida em risco.
Perguntei se a cirurgia seria hoje e falaram que deveria ser em torno do meio-dia.
A espera
Recentemente vi documentários sobre os maiores hospitais do NHS de Londres, e em como estão operando no limite, e como resultado muitas operações são adiadas. Mostraram o efeito negativo que isso tem nas pessoas que estão ansiosas pra fazer a operação. Os médicos ficam frustrados, os pacientes, as famílias, é algo muito ruim. Então eu fiquei pensando se a operação seria mesmo naquele dia (domingo).
Depois veio um outro médico me examinar. Disse que fariam ultrassom pra ver se não era cisto no ovário, mas eu expliquei que em fevereiro fiz todos os exames ginecológicos no Brasil e que não apontou nada de errado. Ele agradeceu e disse que nesse caso então seria mesmo cirurgia de apendicite e me falou que a cirurgia seria por laparoscopia, onde eles inserem instrumentos na minha barriga e assim não precisam fazer um corte grande no abdomen. Falaram que por eu ser magra poderia ser feito dessa forma pois a recuperação seria mais rápida.
Quando eram 11 da manhã veio uma anestesista bem jovem e um outro cara me explicar detalhes da anestesia e da cirurgia, bem como um papel pra eu assinar dizendo que eu concordava em fazer a cirurgia mesmo com os riscos. Ao ouvir os riscos por um momento dá até vontade de desistir, mas depois bate a razão e vi que não tinha outro jeito. Assinei tal papel e perguntei que horas seria a cirurgia, e me falaram que não sabiam pois ainda não sabiam se os instrumentos necessários estariam disponíveis.
Fiquei na cama lendo e resolvi não ter esperanças de que seria nesse dia.